quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sincrética


Se sou flor no jardim teu


Iluminas-me e regas-me


Com desejo.




Se te entrego o gineceu


Defloras-me e preenches


A vulva minha.




Se teu pólen toca a doce pele minha


Espero o gozo do androceu


Nas folhas.




Se a semente toca o chão


Nasce um beija-flor que é filho


Meu e dos céus.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Contrariada - Crônica

Não que eu esteja realmente concentrada. Não que eu sinta, realmente, o ímpeto de escrever. Absolutamente é como se eu não estivesse com vontade alguma. Minto – conscientemente.

É Carnaval de muito movimento aos arredores da casa no qual me encontro. Meus ouvidos estão tampados. Não que a música não toque lá fora, excruciante. Minha sintonia é bem vaga com esse mundo lá fora. Obviamente existem motivos. Talvez eu os conheça – provavelmente eu os saiba enumerar.

Não é por desapreço ao ritmo. Não é por medo. Estou submersa em tristeza... Um buraco no peito tomou o lugar do encanto. Perdi o jeito.

Vivencio minhas horas obscuras. A solidão não exatamente me conforta. Me liberta. Todas as lágrimas trancafiadas, toda infelicidade recôndita...Posta fora. Os conselhos do silêncio me movem não sei a que lugar nem com qual finalidade.

Não tenho me esforçado para deixar meus pesadelos de lado. Não quero ser hipócrita. Ao mesmo tempo não quero me estender materializando e eternizando minhas marcas pessoais. Não devo ser uma mercenária da dor que me condena.

Devo parar por aqui. PONTO

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Decepção


Ontem eram flores úmidas, regadas e saudáveis

Hoje aquele jardim perdeu um pouco de vida.

É como se uma luz se apagasse, dentro de mim, como algo se partisse

E como se meu jardim murchasse.

As flores tornaram-se opacas. Sinto um vazio desolador.

E sinto dor. Tristeza.



Como pudestes ser tão egoísta?

Tu que me colocastes na Terra e me destes a vida que agora se esvai.

Tu que destes a luz que que se apaga, cada dia mais célere.


Está onde a minha proteção?

Deveria ela ser tua sina.

Está onde teu zelo pela minha felicidade?

Deveria ela ser tua vontade.


Sina materna, meio angelical.

Pena eu ser tão solta e tu tão desleal.



terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Semáforo - Crônica

Estava andando na calçada bem ao lado de cerca de 30 automotores; carros, motos e ônibus lotados.
Eram 02h27min p.m e, de acordo com Aurélio Buarque de Holanda Ferreiro – 4°Edição, Editora Nova Fronteira, Revista e Ampliada do Minidicionário Aurélio – os motoristas observavam vigilantes a sinaleira –“poste de sinalização rodoviária ou ferroviária; para orientação do trafego” – que, no momento, exibia a elétrica luz vermelha, sussurrando um não silencioso em meio aos sons da cidade.
Distraidamente, passando ao lado dos veículos forçadamente imóveis, desacelerei o passo e passei a observar um casal numa motocicleta ali ao lado: quem conduzia era o homem, um baixinho com longo bigode acobreado e, sentada com as mãos envoltas em sua cintura, ia uma mulher loura, com os cabelos escorridos dando no meio das costas.
O baixinho olhava o retrovisor e a mulher fixava os olhos no semáforo avidamente.
A essa altura eu dava olhadelas de lado pra vê-los, pois, mesmo em meu passo lento, eu já avançara deixando-os às minhas costas. Foi ai que notei: o homem da motocicleta olhava do retrovisor da sua Titan 125 cc na minha direção e quando nossos olhos se cruzaram naquela curiosidade mutua, notei certo iluminamento em seu rosto e ele se virou cutucando a mulher loura apontando na minha direção ao mesmo tempo em que sibilava algo que eu não pude entender.
Ela então se virou, sem descer da moto e me acenou, sorrindo, enquanto ele chamava meu nome e buzinava.
Sem muita reação, observei outros automóveis começarem a buzinar simultaneamente – um espaçoso Opala Comodoro ano 86 acabara de fechar o cruzamento.
Ao embalo do barulho do trafego, o sonoro hino ensurdecedor da cidade de Belo Horizonte, acenei de volta sem reconhecer o simpático casal.
A essa altura o semáforo se abrira, o Opala desimpedira a passagem e o fluir dos transportes. A motocicleta já se perdera no caos de automóveis e eu, ainda estagnada fiquei ali...

“Mais um dia
os automóveis, as pessoas
passam por mim
Faces num movimento de vida
História vividas na pressa
Percorre os hábitos do dia a dia
A chuva cai
molhando um rosto já molhado
mais um dia...” (Patrícia Menezes)